Passou se muitas luas desde que a bonitinha escreveu o inicio do seu diario, mas ela tem passado os dias brincando e dormindo como toda criança, e gosta de sair e descobrir o pequeno mundo que a cerca.
Nesse meio tempo, chegaram mais companhias, mas estas ainda não conseguem sair do seu sono profundo porque ainda lhes falta o coração, muito embora consigam captar sensações e ver à sua volta. Mas uma em especial eu quero apresentar, e ela veio do mesmo mundo que a bonitinha da Terceira Lua. Ela é tão delicada e inocente, que me inspira cuidados especiais. Trago-a sempre comigo, até porque gosto de ver seu rostinho me olhando enquanto trabalho. Ela é pura de mente e coração, e isso me comove. Seus olhos me parecem sempre úmidos de uma saudade que não consegue saciar. Perguntei-lhe porque está sempre com o olhar distante, mesmo mantendo a sua alegria e curiosidade de descobrir o mundo como , com seus modos suaves como uma abelhinha que trabalha em silêncio. Então ela me contou que em seu mundo, de onde ela veio, muito muito distante, quando ela ainda era uma das muitas abelhinhas que estavam sendo alimentadas para crescer e ganhar o mundo, enquanto ela ainda nao tinha coração e apenas podia sentir emoções confusas que vinham de todos os lados, ela viu o que o seu futuro coração não poderia mais esquecer. Ele era delicado e suave como ela, mas tinha uma força, uma resolução interior que ela sentia, porque ele tb teve naquele breve momento um frágil coraçãozinho, e também sentia as emoções que emanavam das outras polipas, mas parecia-lhe que uma emoção em particular lhe chegava em cheio, e que vinha da ala das polipas ainda sem coração. E era de você querida Mia, lhe perguntei, e ela disse que sim, mas como tem certeza, querida, vocIe estava no meio de tantas polipas, então ela disse que por instantes ela teve um coração, como todas as outras porque antes de ir para a ala das polipas, todas eram inspecionadas antes para ver se elas poderiam ir para junto das outras polipas que aguardavam. E que nesse rapido instante em que teve um coraçãozinho, mesmo quando não o tinha mais era como se ela tivesse guardado o frescor de sua essencia porque tudo lhe parecia mais clao e conseguia pensar com certa nitidez ao invés de apenas receber as emoções em sua volta, como todas as polipas. E foi assim que ela teve a visão mais delicada de sua ainda tão breve vida, de um polipo recém chegado das moldeduras, e igualmente sendo averiguado pelos inspetores de polipos. E nesse instante, ele percebeu meu olhar que não conseguia tirar dele, porque ele era formoso e delicado, e parecia ter um resolução firme como uma rocha. Ele olhou pra mim com seus não-olhos, enquanto que eu já tinha os meus, pois todas as pólipas, enquanto vão amadurecendo, vão sendo pouco a pouco se formando no que somos agora. E eu, além de possuir já meus olhos como todas as pólipas da minha ala, eu ainda possuia uma força daquele coração que senti com tanta fforça por segundos, e que com ele eu podia ver, absorver o turbilhão de emoções que vinham de todos os lados, mas também sentia minhas próprias, e foi assim que descobri o que era possuir um coração, e enquanto estive na condição de pólipa, aguardava o dia em que eu teria o meu coração definitivamente, e este iria me acompanhar sem um instante me abandonar. E foi dessa forma que o vi, e o perdi, e não sei o quanto ele sabe de mim, porque embora pólipo sem olhos e sem coração, eu sentia uma emoção diferente que emanava dele, e uma força de sentimentos e vontade de nascer como nenhum outro pólipo tinha naquele instante. Oh, querida, acho que você está sofrendo do que chamamos saudades!!! eu lhe disse. Sofrendo? como é isso? Como é sofrer de saudades? É como a espera de atordoa e nos mantém de pé, nos faz suspirar de alegria e ao mesmo tempo de angustia, porque ao mesmo tempo que temos algo querido na nossa memória, ele está longe das nossas mãos, olhos, e coração. E isso nos faz suspirar sem nos apercebermos que suspiramos e sem mais nossos olhos ficam túmidos das lágrinas que teimam em sair dos nossos olhos sem termos consciência. Ah, Mani, será que é isso que eu tenho, porque meus olhos às vezes embaçam e tenho que secá-los com as costas das minhas mãos. Pobrezinha, eu lhe disse, tão pequena e padecendo dessas angústias de gente grande... Ah, mas eu sinto meu coração tão grande que às vezes parece que ele é mior que eu, que ele nem cabe aqui dentro. E passou sua mãozinha tão delicada e branca sobre seu peito. É, querida, acho que você já era uma pólipa com coraçãozinho. E isso é bom ou ruim? Ah, depende, é bom porque você sente tudo mais as coisas à sua volta, você se comove quando vê uma abelhinha indo para sua colmeia carregada de polen, e gosta de olhar a chuva caindo e as nuvens que vão se abrindo até o sol surgir de novo, mas ao mesmo tempo você vai sentir mais vezes que seu coraçnao não cabe dentro de voce, e isso faz você sentir que ele vai escapar de seu peito e explodir, ou sair voando como um balão vermelho perdido de seu dono no parque de diversão. Um balão perdido? Mas não é divertido perder um balão, se ele não volta mais. Nem sempre é bom, Mia. Mas não lamente por ter um coraçãozinho tão grande, porque isso deixa você um um ar tão encantador e um olhar tão doce que todos que tiverem um coraçnao que não cabe no peito vão saber que vc também tem um. E eles serão doces e encantadores como vc. Ah, Mani será que ele sente isso que estou sentindo também, que se lembra de mim como eu lembro dele com meus olhos de polipa. Pode ser querida, é muito provavel que sim. Mas eu não quero só sentir e me lembrar dele, queria ver ele de novo, e experimentar aquela sensaçnao que senti, de novo. Será que euainda vou ver ele de novo um dia? Não sei querida, lamento te dizer que o mundo é muito, muito grande. Provavelmente ele ainda está na ala dos polipos, pois nenhum saiu da lua resinal de onde vc veio, mas nao sabemos quando e pra onde ele poderia ir, quando saisse. Nesse momento ela abaixou sua cabecinha e ficou pensativa, balançando seus pezinhos como quem brinca com a superficie da agua. Me pareceu que seus olhos estavam ligeiramente mais vermelhos, mas ainda tinha seu sorrisinho encantador, que me comove tanto. E assim, em segredo, resolvi que talvez eu pudesse dar uma chance, de uma em milhares, de conseguir trazer seu polipo querido, que ela guarda com tanta doçura nas suas poucas lembranças. Mas é segredo ainda, porque na verdade as chances sao poucas, e eu nao gostaria de ve-la decepcionada se não conseguisse acha-lo.
